Entre os deuses que habitavam no Olimpo reinava Atena, deusa da Sabedoria e de todas as Artes... A bela Arakné era uma extraordinária bordadeira, cujos trabalhos maravilhosos eram admirados por todos os que os contemplavam:
- Que mãos preciosas tem!... que harmonia de cores!... que obras de arte!...
Tais elogios envaideceram tanto Arakné, que um dia exclamou:
- Se eu desafiasse a deusa Atena tenho a certeza de que ganharia!
Logo as ninfas do bosque correram a contar as suas palavras à deusa que, enfurecida pela afronta, logo aceitou o desafio... No dia marcado, Atena executou o seu bordado com muita arte e empenho mas, quando terminou, percebeu que a obra de Arakné era realmente muito mais bela que a sua... Enraivecida, rasgou o bordado da sua rival em mil pedaços e, em seguida, transformou-a numa aranha para todo o sempre...
(Lenda Mitológica Grega)
quarta-feira, 1 de maio de 2024
Luar
Uma pura invenção
Ou um simples reflexo...
Um espelho celeste
Ou uma maré selvagem...
Um portal encantado
Ou um poder dos amantes...
Um Todo de luz
Ou um Nada inflexo...
Uma maré tão viva
Ou um amor inquieto...
Um limite transposto
Ou um azul de poeta...
Um delírio perdido
Ou uma queda no abismo...
Um reflexo de prata
Ou um mistério dourado...
Uma cavalgada celeste
Ou um veleiro ao vento...
Uma lua distante
Ou um sonho de amante...
Arakné
domingo, 21 de abril de 2024
Aquele nosso amor
ardia no fogo vivo
de uma fome cega
que nos consumia
num abraço lânguido
entre inferno e céu.
Foi o nosso amor
tão de corpo inteiro
que nos consumiu...
Arakné
sexta-feira, 5 de abril de 2024
quinta-feira, 4 de abril de 2024
CAMINHADA
Desafia-me o caminho estreito da charneca, apela-me a um descanso maduro o tronco seco, Convoca-me à poesia o céu matizado de cinza, como um oceano de pequenas nuvens dispersas,
viajantes entre silhuetas de azul anil. O horizonte infiltra-me na alma e no corpo uma preguiça insipiente de emoções, uma calma serenidade que se acomoda à vida.
Como um desfile imaginário, um guião de filme, um enigma de final incerto, um desafio por desvendar?
Assim se passam vidas, décadas à desfilada. Existem finais felizes na vida de cada um ou, apenas, acasos solitários,
meros processos que conduzem a lugar nenhum?
Amores imediatos, lutas sem tréguas, espectáculos representados em palcos, personagens, cenas e actos que, algum dia, pareceram eternos, mas feneceram, num epílogo de cansaço vivo, numa mortalha idealizada
e incompreendida, a sua eternidade guardada
num cofre, de que perdemos a chave e o segredo...
Aí, nesse cofre, se ocultava a tão preciosa jóia, do melhor quilate, aquela mesma que um dia prometemos
e pensámos ofertar, que tão valiosa nos parecia,
mas que se perdeu, caída algures...
Em tempo de perigo, de caminhos desintegrados,
reconstruídos, apressados, derrubados,
vamos seguindo atalhos ensimesmados,
numa busca oculta de algum sentido,
ainda que fugaz ou nebuloso,
mas que pareça fazer valer a sucessão de dias.
Ansiamos sempre por algo, que sempre se liquefaz
viscoso e escorre das nossas mãos perplexas, num misto de ausência dos outros e de nós também.
Qual a pior traição?
Tão sós chegamos, quão sós partimos, para longe de nós mesmos,
alheios a esta extrema solidão, tão real,
dos nossos passos por veredas distraídas,
sem rumos percebidos.
Um todo com peças perdidas nunca se revelará
num puzzle perfeito...
A visão total teima em nos fugir, absorta,
no desfile de dias entre dias...
Arakné
sábado, 2 de março de 2024
AMOR,
perene de vida,
beleza e brisa...
Cálida melodia,
acordes dedilhados,
inesquecível sinfonia,
em surdina...
Fusão e osmose,
invasão secreta
em ilha deserta...
Sob um céu de estrelas
a calma ondulação
prateada espelha
o clarão lunar...
Toda a Eternidade
cabe no instante...
Arakné
domingo, 18 de fevereiro de 2024
ETERNO REGRESSO...
Chegámos sorrindo,
na terna visão,
na cumplicidade,
na morna ansiedade,
no riso de sempre,
na voz que enrouquece,
no brilho do olhar,
na mão que estremece,
nos dedos que tocam,
no arrepio do beijo,
na promessa calada,
na leve carícia...
É a felicidade
plena e tão rara,
completa e tão breve,
liberta e tão doce,
nossa e tão livre...
A única promessa,
a única nostalgia,
nos dias de ausência,
de longos vazios...
O teu riso solto,
as palavras cheias,
o silêncio cúmplice,
as vozes caladas,
os suspiros leves...
És tu, meu Amor?...
Sou eu, meu Amor!...
Chegámos!
Ao lar dos meus beijos
o teu corpo inteiro,
neste meu lugar
quero descansar,
nesse teu abraço,
este amor de sempre...
A falta do beijo,
o amor adiado,
o toque indeciso,
as tuas mãos ávidas,
esta minha sede,
como sempre, Amor.
São as minhas mãos?
Sao as tuas mãos,
como sempre, Amor!
Nosso amor de ontem,
nosso amor de hoje,
nosso amor secreto,
nosso amor de areia,
nosso amor de mar,
nosso amor de dias
nos desvãos do tempo,
amor de luar
e beijos molhados...
Em todas as eras
regressei à casa
de todos os tempos.
O mesmo desejo,
a mesma magia,
neste voo juntos,
como aves que voam
num voo de tempo,
a eternidade
no desvão da idade.
Foi ontem, Amor?
É hoje o encontro
de ontem, Amor!
Entremos, Amor,
é nossa esta casa,
é meu o teu chão,
é tua esta fonte,
é nosso o sabor.
E a rosa vermelha,
a rosa entre nós,
testemunha eterna
deste nosso amor.
No mar e na areia,
neste pôr de sol,
no luar da noite.
És tu, meu Amor?
Sou eu, meu Amor!
Arakné
quarta-feira, 31 de janeiro de 2024
*DIVAGAR
Na varanda em frente ao mar,
entre eu e a fantasia,
visionária viajante
nas páginas de um livro aberto,
divago pelo poente
e o meu olhar desgarrado
passeia em traços largos
na margem deste poema.
Sorvo brilho em taça cheia
de um licor inebriante,
colorido de rubi,
com gosto de terra nunca
e um leve aroma a jasmim.
Nesta busca em desatino
que transporto desde imemórias,
nas lágrimas que desde menina
corriam por dentro de mim
e se sumiam num rio,
que transbordava em marés,
muito além do sol nascente,
como oceano perdido
em luas e águas revoltas,
o grito agudo de gaivotas
voando em voo picado,
entre o sonho e o ocaso
e um reflexo brilhante.
Os sentidos entorpecidos
vagueiam neste dilema:
ora a página que me convoca
numa promessa de ausência,
ora a fuga no horizonte
que me afoga em nostalgia
e esquecimento de mim.
Pela porta entreaberta
ou janela escancarada,
entre o livro e a fantasia,
caminho por um deserto
rumo a um destino incerto
com vista para o infinito,
nas ondas do mar revolto
sol ardente e esquecimento.
Arakné
quarta-feira, 24 de janeiro de 2024
*REVERSO INVERSO
Perduram em mim sensações leves e ténues memórias,
invisíveis, vibráteis, translúcidas como marcas de água,
em esbatidas tonalidades, calidamente irisadas e indefinidas,
envoltas em longas melancolias ou curtas risadas
divertidas ou sarcásticas, estranhas fantasias
que temperam momentos fugazes que me surpreendem e retêm.
Sustentada no impercetível suspiro da nostalgia
onde se diluem restos de nadas, algo do que sobra das dores
e, quase incógnitos, vestígios do que fui, do que pensei ser,
do que sonhei que seria, do que nunca fui.
Amiúde, disperso-me em estranhas conjeturas
nas quais me busco, desesperada, tentando encontrar
um rasto do que fui e desconheço, porque não nasceu,
não viveu, apenas morreu.
Do Passado, chegam-me desmaiados ruídos,
murmúrios em que adivinho frases ou reconheço vozes.
Sinto espinhos enterrados, dores mascaradas só assinaladas
por gotículas minúsculas de sangue vivo.
E as súplicas que larguei pelo caminho, num rasto desfeito
pela caminhada, por vias que construí e logo desconstruí.
Busco os sonhos em que almejava voos e caía,
num desânimo de asas frágeis, demasiado pequenas
perante o império das razões.
Viajei ventos, nuvens e marés, no choro de mágoa oculta,
na secreta culpa, no perdão desmaiado.
Pelas margens do abismo que me convocava
ou pelas planícies onde me perdia dos horizontes,
seguia rotas escolhidas ao acaso, que me conduziam
aos acasos desconexos, onde procurava sentidos.
Exausta, sentava-me nas pedras soltas do caminho
e observava os sulcos deixados pelos meus passos
e o quanto me perdia sem perceber o descaminho...
Transpus mágoas que escorreram para o fundo
deste abismo que sou, gravando marcas invisíveis
no meu olhar que já não derramava lágrimas.
Experimentei o grito, a voz, a súplica exaltada,
mais adivinhada do que escutada, rolando num eco
longo, distante, tímido.
Perco-me ainda neste poço tão profundo que reflete o céu
e acolhe o grito desgarrado, a ilusão do choro, a queixa
inexplicável, a graça inexistente, a deixa jamais cumprida.
No sonho diletante de um sono intranquilo,
no mistério absurdo de um horizonte apagado,
nas profundezas por onde o que fui se consumiu,
no mar alteroso em que um barco se afundou
sem rota, sem rumo, sem luta...
Reconheço-me, por fim, no rumo, na rota, na luta,
nos traços visíveis deste céu invertido que sou eu.
Arakné
quarta-feira, 13 de dezembro de 2023
*A IMPROBABILIDADE DE EU SER EU...
Para além do caos dos azuis diversos
e convulsos, por entre cinzas e contornos negros,
contrastam dispersas manchas coloridas,
alguns flocos brancos e muitos acasos...
Sorvo, com avidez, uma ébria sensação vital,
surdamente consciente da minha eternidade,
feitatão perfeita nas suas múltiplas
e efémeras imperfeições...
Como a maresia das ondas vivas morre na praia,
leve e solta se balança numa infinidade oceânica
a imensidão estática do Todo precipitado
em fúrias desmaiadas, buscando a paz
das areias molhadas...
Mergulho também nessa paz, em laços de amor
e poder, aquietando o olhar no instante exacto
das marés vivas e dos céus de tempestades,
por onde gaivotas gritam destinos longos,
esvoaçando terras longínquas,
onde Tudo acaba em Nunca
e um Agora perene se revela...
Num destino, inevitavelmente difuso,
algum dia serei semente no bico de uma gaivota
ou, quem sabe, alga marinha cidadã do mundo,
viajante transportada por correntes
em cascos de navios, ancorada em aventuras,
imensidões e milénios...
Perpetua-me a herança dispersa
que carrego, por entre a seiva de árvores
em ilhas remotas ou como pequenos musgos
recolhidos na âncora de um barco naufragado...
A eternidade permanece,
para lá do ser ilimitado que sempre serei,
em cada partícula levada por ventos,
navegada por marés, replicada ao acaso,
aquele mesmo que, por acaso, não existe,
porque tudo se aperfeiçoa e se aprimora...
A Sabedoria oculta-se ao Olhar
mas subjaz à Existência, observante observada,
terra longe fértil, como ilusão de óptica ou, talvez,
mera quimera... Não sou daqui, nem fui dali,
serei talvez um infinitesimal grão
de energia quântica, uma inexistência real...
Aglomero-me à sorte aqui e logo me dissiparei ali...
Num incidente ancestral me revivi
nas incontáveis células em que me perfaço,
para além dos gâmetas que me enfocaram
no Eu que agora sou, mera sequência e junção...
Desde quando me gerei
e em quantos me agregarei?
Infinitamente para além de mil sóis,
que algum dia explodirão em luz
e fragor intenso, implosão estelar
que me cristalizará em partículas
de luz e átomos...
Dispersas por que vácuos?
E assim me quedarei, quietamente,
por infinitudes, até que me desperte
um astro vagueante e me transporte
a uma nova dimensão, partícula viajante,
divina nas eternidades possíveis...
Potência essencial e pura, porque o tempo
é uma ilusão que limita o ilimitado
e preenche de nadas os espaços vazios.
E eu, por aí, desfeita, vagueando improbabilidades...