*REVERSO INVERSO
Perduram em mim sensações leves e ténues memórias,
invisíveis, vibráteis, translúcidas como marcas de água,
em esbatidas tonalidades, calidamente irisadas e indefinidas,
envoltas em longas melancolias ou curtas risadas
divertidas ou sarcásticas, estranhas fantasias
que temperam momentos fugazes que me surpreendem e retêm.
Sustentada no impercetível suspiro da nostalgia
onde se diluem restos de nadas, algo do que sobra das dores
e, quase incógnitos, vestígios do que fui, do que pensei ser,
do que sonhei que seria, do que nunca fui.
Amiúde, disperso-me em estranhas conjeturas
nas quais me busco, desesperada, tentando encontrar
um rasto do que fui e desconheço, porque não nasceu,
não viveu, apenas morreu.
Do Passado, chegam-me desmaiados ruídos,
murmúrios em que adivinho frases ou reconheço vozes.
Sinto espinhos enterrados, dores mascaradas só assinaladas
por gotículas minúsculas de sangue vivo.
E as súplicas que larguei pelo caminho, num rasto desfeito
pela caminhada, por vias que construí e logo desconstruí.
Busco os sonhos em que almejava voos e caía,
num desânimo de asas frágeis, demasiado pequenas
perante o império das razões.
Viajei ventos, nuvens e marés, no choro de mágoa oculta,
na secreta culpa, no perdão desmaiado.
Pelas margens do abismo que me convocava
ou pelas planícies onde me perdia dos horizontes,
seguia rotas escolhidas ao acaso, que me conduziam
aos acasos desconexos, onde procurava sentidos.
Exausta, sentava-me nas pedras soltas do caminho
e observava os sulcos deixados pelos meus passos
e o quanto me perdia sem perceber o descaminho...
Transpus mágoas que escorreram para o fundo
deste abismo que sou, gravando marcas invisíveis
no meu olhar que já não derramava lágrimas.
Experimentei o grito, a voz, a súplica exaltada,
mais adivinhada do que escutada, rolando num eco
longo, distante, tímido.
Perco-me ainda neste poço tão profundo que reflete o céu
e acolhe o grito desgarrado, a ilusão do choro, a queixa
inexplicável, a graça inexistente, a deixa jamais cumprida.
No sonho diletante de um sono intranquilo,
no mistério absurdo de um horizonte apagado,
nas profundezas por onde o que fui se consumiu,
no mar alteroso em que um barco se afundou
sem rota, sem rumo, sem luta...
Reconheço-me, por fim, no rumo, na rota, na luta,
nos traços visíveis deste céu invertido que sou eu.
Arakné
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