O Mito de Arakné (antiga lenda grega)


Entre os deuses que habitavam no Olimpo reinava Atena, deusa da Sabedoria e de todas as Artes... A bela Arakné era uma extraordinária bordadeira, cujos trabalhos maravilhosos eram admirados por todos os que os contemplavam:

- Que mãos preciosas tem!... que harmonia de cores!... que obras de arte!...

Tais elogios envaideceram tanto Arakné, que um dia exclamou:

- Se eu desafiasse a deusa Atena tenho a certeza de que ganharia!

Logo as ninfas do bosque correram a contar as suas palavras à deusa que, enfurecida pela afronta, logo aceitou o desafio... No dia marcado, Atena executou o seu bordado com muita arte e empenho mas, quando terminou, percebeu que a obra de Arakné era realmente muito mais bela que a sua... Enraivecida, rasgou o bordado da sua rival em mil pedaços e, em seguida, transformou-a numa aranha para todo o sempre...

(Lenda Mitológica Grega)


domingo, 21 de abril de 2024

Aquele nosso amor 

ardia no fogo vivo

de uma fome cega

que nos consumia

num abraço lânguido

entre inferno e céu.


Foi o nosso amor

tão de corpo inteiro

que nos consumiu...

 Arakné

quinta-feira, 4 de abril de 2024

CAMINHADA

Desafia-me o caminho estreito da charneca,
apela-me a um descanso maduro o tronco seco, 
Convoca-me à poesia o céu matizado de cinza, 
como um oceano de pequenas nuvens dispersas, 
viajantes entre silhuetas de azul anil. 
 
O horizonte  infiltra-me na alma e no corpo 
uma preguiça insipiente de emoções,
uma calma serenidade 
que se acomoda à vida.

Como um desfile imaginário, um guião de filme, 
um enigma de final incerto, um desafio por desvendar?

Assim se passam vidas, décadas à desfilada.
Existem finais felizes na vida de cada um 
ou, apenas, acasos solitários, 
meros processos que conduzem a lugar nenhum?

Amores imediatos, lutas sem tréguas,
espectáculos representados em palcos, 
personagens, cenas e actos que, algum dia,
pareceram eternos, mas feneceram, num epílogo 
de cansaço vivo, numa mortalha idealizada 
e incompreendida, a sua eternidade guardada
num cofre, de que perdemos a chave e o segredo...

Aí, nesse cofre, se ocultava a tão  preciosa  jóia,
do melhor quilate, aquela mesma que um dia prometemos
e pensámos ofertar, que tão valiosa nos parecia, 
mas que se perdeu, caída algures...

Em tempo de  perigo, de caminhos desintegrados,
reconstruídos, apressados, derrubados,
vamos seguindo atalhos ensimesmados, 
numa busca oculta de algum sentido, 
ainda que fugaz ou nebuloso, 
mas que pareça fazer valer a sucessão de dias.
 
Ansiamos sempre por algo, que sempre se liquefaz
viscoso e escorre das nossas mãos perplexas,
num misto de ausência dos outros 
e de nós também. 
Qual a pior traição?

Tão sós chegamos, quão sós partimos, 
para longe de nós mesmos, 
alheios a esta extrema solidão, tão real,
dos nossos passos por veredas distraídas,
sem rumos percebidos.

Um todo com peças perdidas nunca se revelará 
num puzzle perfeito...

A visão total teima em nos fugir, absorta, 
no desfile de dias entre dias...

Arakné



sábado, 2 de março de 2024

AMOR,

perene de vida, 

beleza e brisa...

Cálida melodia, 

acordes dedilhados,

inesquecível sinfonia,

em surdina...

Fusão e osmose,

invasão secreta

em ilha deserta...

Sob um céu de estrelas

a calma ondulação 

prateada espelha

o clarão lunar...


Toda a Eternidade 

cabe no instante...

Arakné

domingo, 18 de fevereiro de 2024

ETERNO REGRESSO...

Chegámos sorrindo,
na terna visão,
na cumplicidade, 
na morna ansiedade,
no riso de sempre,
na voz que enrouquece,
no brilho do olhar,
na mão que estremece,
nos dedos que tocam,
no arrepio do beijo,
na promessa calada,
na leve carícia...

É a felicidade
plena e tão rara,
completa e tão breve,
liberta e tão doce,
nossa e tão livre...
A única  promessa,
a única nostalgia,
nos dias de ausência,
de longos vazios...
O teu riso solto,
as palavras cheias,
o silêncio cúmplice, 
as vozes caladas,
os suspiros leves...

És tu, meu Amor?... 
Sou eu, meu Amor!...

Chegámos!
Ao lar dos meus beijos
o teu corpo inteiro,
neste meu lugar
quero descansar,
nesse teu abraço,
este amor de sempre...
A falta do beijo,
o amor adiado,
o toque indeciso, 
as tuas mãos ávidas,
esta minha sede,
como sempre, Amor.

São as minhas mãos?
Sao as tuas mãos,
como sempre, Amor!

Nosso amor de ontem,
nosso amor de hoje,
nosso amor secreto,
nosso amor de areia, 
nosso amor de mar,
nosso amor de dias
nos desvãos do tempo,
amor de luar 
e beijos molhados...

Em todas as eras
regressei à casa
de todos os tempos.
O mesmo desejo,
a mesma magia,
neste voo juntos,
como aves que voam
num voo de tempo,
a eternidade
no desvão da idade.

Foi ontem, Amor?
É hoje o encontro
de ontem, Amor!

Entremos, Amor,
é nossa esta casa,
é meu o teu chão,
é tua esta fonte,
é nosso o sabor.
E a rosa vermelha,
a rosa entre nós, 
testemunha eterna
deste nosso amor.
No mar e na areia,
neste pôr de sol,
no luar da noite.

És tu, meu Amor?
Sou eu, meu Amor!
Arakné



quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

*DIVAGAR

Na varanda em frente ao mar,

entre eu e a fantasia, 

visionária viajante 

nas páginas de um livro aberto,

divago pelo poente

e o meu olhar desgarrado

passeia em traços largos

na margem deste poema.


Sorvo brilho em taça cheia

de um licor inebriante,

colorido de rubi, 

com gosto de terra nunca

e um leve aroma a jasmim.


Nesta busca em desatino

que transporto desde imemórias,

nas lágrimas que desde menina

corriam por dentro de mim

e se sumiam num rio,

que transbordava em marés,

muito além do sol nascente,

como oceano perdido

em luas e águas revoltas,

o grito agudo de gaivotas

voando em voo picado,

entre o sonho e o ocaso

e um reflexo brilhante.


Os sentidos entorpecidos

vagueiam neste dilema:  

ora a página que me convoca

numa promessa de ausência, 

ora a fuga no horizonte

que me afoga em nostalgia

e esquecimento de mim.

 

Pela porta entreaberta 

ou janela escancarada, 

entre o livro e a fantasia,

caminho por um deserto

rumo a um destino incerto 

com vista para o infinito,

nas ondas do mar revolto

sol ardente e esquecimento.

Arakné



quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

*REVERSO INVERSO

Perduram em mim sensações leves e ténues memórias, 

invisíveis, vibráteis, translúcidas como marcas de água,

em esbatidas tonalidades, calidamente irisadas e indefinidas, 

envoltas em longas melancolias ou curtas risadas 

divertidas ou sarcásticas, estranhas fantasias 

que temperam momentos fugazes que me surpreendem e retêm.


Sustentada no impercetível suspiro da nostalgia 

onde se diluem restos de nadas, algo do que sobra das dores 

e, quase incógnitos, vestígios do que fui, do que pensei ser, 

do que sonhei que seria, do que nunca fui.


Amiúde, disperso-me em estranhas conjeturas 

nas quais me busco, desesperada, tentando encontrar 

um rasto do que fui e desconheço, porque não nasceu, 

não  viveu, apenas morreu.


Do Passado, chegam-me desmaiados ruídos,

murmúrios em que adivinho frases ou reconheço  vozes. 

Sinto espinhos enterrados, dores mascaradas só assinaladas 

por gotículas minúsculas de sangue vivo.

E as súplicas que larguei pelo caminho, num rasto desfeito

pela caminhada, por vias que construí e logo desconstruí.


Busco os sonhos em que almejava voos e caía, 

num desânimo de asas frágeis, demasiado pequenas

perante o império das razões. 

Viajei ventos, nuvens e marés, no choro de mágoa oculta, 

na secreta culpa, no perdão desmaiado.


Pelas margens do abismo que me convocava

ou pelas planícies onde me perdia dos horizontes,

seguia rotas escolhidas ao acaso, que me conduziam 

aos acasos desconexos, onde  procurava sentidos.

Exausta, sentava-me nas pedras soltas do caminho

e observava os sulcos deixados pelos meus passos 

e o quanto me perdia sem perceber o descaminho...


Transpus mágoas que escorreram para o fundo 

deste abismo que sou, gravando marcas invisíveis

no meu olhar que já não derramava lágrimas. 

Experimentei o grito, a voz, a súplica exaltada, 

mais adivinhada do que escutada, rolando num eco

longo, distante, tímido.


Perco-me ainda neste poço tão profundo que reflete o céu 

e acolhe o grito desgarrado, a ilusão do choro, a queixa 

inexplicável, a graça inexistente, a deixa jamais cumprida.


No sonho diletante de um sono intranquilo, 

no mistério absurdo de um horizonte apagado,

nas profundezas por onde o que fui se consumiu, 

no mar alteroso em que um barco se afundou

sem rota, sem rumo, sem luta...


Reconheço-me, por fim, no rumo, na rota, na luta, 

nos traços visíveis deste céu invertido que sou eu.

Arakné


quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

*A IMPROBABILIDADE DE EU SER EU...


Para além do caos dos azuis diversos

e convulsos, por entre cinzas e contornos negros, 

contrastam dispersas manchas coloridas,

alguns flocos brancos e muitos acasos...


Sorvo, com avidez, uma ébria sensação vital,

surdamente consciente da minha eternidade,

feita tão perfeita nas suas múltiplas

e efémeras imperfeições...


Como a maresia das ondas vivas morre na praia, 

leve e solta se balança numa infinidade oceânica

a imensidão estática do Todo precipitado

em fúrias desmaiadas, buscando a paz 

das areias molhadas...


Mergulho também nessa paz, em laços de amor 

e poder, aquietando o olhar no instante exacto

das marés vivas e dos céus de tempestades,

por onde gaivotas gritam destinos longos, 

esvoaçando terras longínquas, 

onde Tudo acaba em Nunca 

e um Agora perene se revela...


Num destino, inevitavelmente difuso, 

algum dia serei semente no bico de uma gaivota

ou, quem sabe,  alga marinha cidadã do mundo, 

viajante transportada por correntes

em cascos de navios, ancorada em aventuras,

imensidões e milénios...


Perpetua-me a herança dispersa

que carrego, por entre a seiva de árvores

em ilhas remotas ou como pequenos musgos

recolhidos na âncora de um barco naufragado...


A eternidade permanece, 

para lá do ser ilimitado que sempre serei, 

em cada partícula levada por ventos,

navegada por marés, replicada  ao acaso, 

aquele mesmo que, por acaso, não existe,

porque tudo se aperfeiçoa e se aprimora...


A Sabedoria oculta-se ao Olhar 

mas subjaz à Existência, observante observada, 

terra longe fértil, como ilusão de óptica ou, talvez, 

mera quimera... Não sou daqui, nem fui dali, 

serei talvez um infinitesimal grão 

de energia quântica, uma inexistência real...


Aglomero-me à sorte aqui e logo me dissiparei ali...

Num incidente ancestral me revivi

nas incontáveis células em que me perfaço,

para além dos gâmetas que me enfocaram 

no Eu que agora sou, mera sequência e junção...


Desde quando me gerei 

e em quantos me agregarei?

Infinitamente para além de mil sóis, 

que algum dia explodirão em luz 

e fragor intenso, implosão estelar 

que me cristalizará em partículas 

de luz e átomos...

Dispersas por que vácuos? 


E assim me quedarei, quietamente,

por infinitudesaté que me desperte

um astro vagueante e me transporte 

a uma nova dimensão, partícula viajante, 

divina nas eternidades possíveis...


Potência essencial e pura, porque o tempo 

é uma ilusão que limita o ilimitado 

e preenche de nadas os espaços vazios.

E eu, por aí, desfeita, vagueando improbabilidades...

Arakné

Arakné

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

*LUNAR

Filtrava-se na noite tão mágica

o deslumbramento intenso do mergulho

profundo no fascínio da  pérola celeste

perfeita, intocável, intocada, diáfana 

em matizes de luz serena, luzeiro, guia, 

sortilégio dos deuses, antiga magia, 

ancestrais mistérios, inflexos, reflexos,

inquietudes, inexplicáveis feitiços...


E na noite solitária quantos contrastes 

se derramavam pelas sombras salgadas

em marés de lágrimas pesadas e lentas,

numa recordação doce, onírica e lunar...


Desnudava-se a noite num arrepio

de arvoredos, por onde escorriam

lampejos, em jogos de eternas sombras 

envoltas numa luz em desmaios...


Os sabores de brisa no calor dos beijos, 

sedentos de entregas, recortavam-se

no desejo antigo. 


A fome do olhar escorria em carícias cruas. 


O céu abraçava os sonhos numa irrealidade 

de velhos mistérios. 


Os destinos cruzavam rastos de estrelas

em rotas cadentes por mundos 

que riscavam longes. 


Rompiam-se em rasgos as almas amantes, 

declinavam nostalgias, luzes, fugas e vazios.


As estelares dimensões dos mundos 

paralelos desdobravam-se em oceanos 

infinitos de estrelas, em lunares fantasias 

e poemas delirantes.

Arakné

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

*Memória

Espaços de outrora,

reconstituídos na memória, 

de amores vividos em embriaguez 

e paixão, ora mergulhada em agonias

de ausências, ora imersa em volúpias 

de presenças. 

Recolhia suplicante o suspiro 

adivinhado num olhar faminto

e o sabor do beijo que me avassalava, 

intenso, num mar escaldante 

de invasões cegas e corpos sábios. 

Renascida.


Amores tão inteiros porque 

em pedaços tudo se apoucava.

Estirava ao sol a fantasia das asas

que chegavam e partiam, em buscas 

desmedidas, sem termo, sem término, 

sem moderação. 

Desatava os nós de fios esgarçados,

esfarrapava rendas, veludos gastos, 

as porcelanas, ociosas, desesperadas 

pelo banquete e o vidro fino da taça cheia 

que me brindava um licor forte, 

quebrados em mil pedaços 

perante um olhar desatento.

Desentendidas as entregas

e desesperados os retornos, 

a amargura ilusória de amar só por amor, 

derramar de vazios sem plenitudes. 

Entristecida.


Sobrevoei lonjuras, sem tino, 

sem rumo, na procura que me apontava 

ao caminho imaginado, na ambição 

de alcançar o azul do céu infindo,

por onde asas livres viajavam vontades

de infinito, perdida entre ser tudo, 

mas não existir ou nada ser,

mas renascer.


Parti, surda ao clamor, intocada 

pela súplica, já submersa na incerteza

do mergulho, em fuga da palavra 

desmerecida, do gesto suspenso, 

da pergunta calada, da indiferença.

A boca seca, o frio gélido da mão,

o olhar sombrio, a pena funda, 

o lamento chorado que nunca chegou. 

Ninguém soube, ninguém viu, 

ninguém escutou?

Mas a ave chorou, tão doída, 

as asas amachucadas.


Voei incrédula, tonta de liberdade,

já improvável, já indiferente, ainda receosa

do recomeço, curiosa da promessa, 

em devaneios de sal e lágrimas, 

num desamor desconstruído, 

num amor desamado, ainda amando. 

Vivi o sobressalto, renasci na surpresa

do ânimo enrouquecido. 

Como sempre! Como nunca!

Em cada passo diluí as marés salgadas 

que me submergiam. 

Cheguei e parti, sempre vestida 

de descobertas inadiáveis. 

Ave em voo livre, que se prendia 

em gaiolas, sonhando horizontes vastos. 

Liberta, voei solta, para além 

das madrugadas cinzentas e desenhei 

uma luz dourada nas alvoradas. 

Arakné