BIOGRAFIA
Discretamente, deslizei pela vida, num arrulhar
de doçuras reprimidas, máscaras, graças, ironias.
Sensível a sorrisos alheios. E a vãs picardias...
O vento, que soprou ligeiro, ao qual expus o meu rosto, dissolveu
e secou as lágrimas que correram nele, ao sabor de nadas,
sacrifícios, pecados inconfessados, fantasias, desilusões,
submissões mudas. Num mundo à parte, o espaço
esconso em que me reservava, inteira. Ou me dissolvia...
Passeei pelos desvãos desse mundo, apartado e longínquo.
Meu mundo, sempre algo solitário,
desde a remota infância, a infância de contos de fadas,
princesas encantadas e bruxas. Livros em que,
estranhamente, mergulhei, nos dias em que chorei.
Menina tão quieta...
Passeei, sempre, por ocasos, auroras e noites de magia.
Momentos meus, únicos, no cansaço de gentes.
Mulher tão solitária...
Observei o gesto, o detalhe, a desarmonia da voz, o olhar fugidio.
E soube, para além das palavras que ainda me faltavam
e da minha visão inocente. Vi estranhos lampejos de emoções,
desconfortos, incompreensões, falsidades. Apenas soube...
Guardei amores inamovíveis, glórias imaginárias,
angústias infantis que choraram.
Mas, às vezes, o mundo apetecia-me: a tarde ensolarada,
o riso cristalino, o abraço fácil e feliz.
Os abraços acolheram o tacto morno das mãos,
num toque antigo de conforto. As mãos acariciaram
mundos idos, em gestos suaves e ternos.
O amor transpareceu em carícias, moveu-se,
quase dançante. Aguardei então, ansiosa, essa Luz.
Ainda hoje venero as mãos que acariciei com suavidade,
pela vida fora. Todas elas...
Mas, a vida afastou-se lentamente das claridades
risonhas, submergiu-me em saudade e lamento.
Diluiu-me no rol dos dias. Sonhei e tentei reter, ávida,
algo de uma felicidade que me iludiu. Percebi momentos
que simulavam uma eternidade, mas que, num instante,
se esfumaram. As rotinas me torturaram...
Verdades meias ou meias mentiras, para nós mesmos,
em cegueiras, distrações e decepções e, discretamente,
nos sumiamos num refúgio de mágoas.
O horizonte me chamou...
Hoje, observo o desejo que ainda vive, num desespero
dos dias que se foram. Não virei as costas à vida.
Fui ver quem batia à porta, tão urgente.
Acolhi a dádiva, ainda que envolta em pranto.
Hoje, sonho ainda os momentos da pele morna, num delírio
de amor, sem espaço, sem tempo, sem nada.
O universo inteiro me encerrou...
Atei-me em laços que, lentamente, se desataram.
Numa indolência sem chama, a insanidade me levou,
me afundou em equívocos, que ninguém pareceu notar.
Por vias inventadas me fui, decidida, apressada, urgente,
convicta. Nessa busca, outros fulgores me estremeceram.
Tão perdida...
Hoje, reconheço os resquícios de uma ternura desejosa
que acarinho, sem ilusões, deliciosa nostalgia desses
amores resgastados. Afinal, nunca parti...
Hoje, acaricio amores, que se me revelam brilhantes, limpos
pelo sal do tempo, simples, tal como outrora.
Sou uma resultante de todos os instantes: uma ternura
profunda, um abraço bom, um riso tranquilo, um olhar cúmplice.
Afinal, sempre estive aqui...
Arakné
Sem comentários:
Enviar um comentário