*A IMPROBABILIDADE DE EU SER EU...
Para além do caos dos azuis diversos
e convulsos, por entre cinzas e contornos negros,
contrastam dispersas manchas coloridas,
alguns flocos brancos e muitos acasos...
Sorvo, com avidez, uma ébria sensação vital,
surdamente consciente da minha eternidade,
feita tão perfeita nas suas múltiplas
e efémeras imperfeições...
Como a maresia das ondas vivas morre na praia,
leve e solta se balança numa infinidade oceânica
a imensidão estática do Todo precipitado
em fúrias desmaiadas, buscando a paz
das areias molhadas...
Mergulho também nessa paz, em laços de amor
e poder, aquietando o olhar no instante exacto
das marés vivas e dos céus de tempestades,
por onde gaivotas gritam destinos longos,
esvoaçando terras longínquas,
onde Tudo acaba em Nunca
e um Agora perene se revela...
Num destino, inevitavelmente difuso,
algum dia serei semente no bico de uma gaivota
ou, quem sabe, alga marinha cidadã do mundo,
viajante transportada por correntes
em cascos de navios, ancorada em aventuras,
imensidões e milénios...
Perpetua-me a herança dispersa
que carrego, por entre a seiva de árvores
em ilhas remotas ou como pequenos musgos
recolhidos na âncora de um barco naufragado...
A eternidade permanece,
para lá do ser ilimitado que sempre serei,
em cada partícula levada por ventos,
navegada por marés, replicada ao acaso,
aquele mesmo que, por acaso, não existe,
porque tudo se aperfeiçoa e se aprimora...
A Sabedoria oculta-se ao Olhar
mas subjaz à Existência, observante observada,
terra longe fértil, como ilusão de óptica ou, talvez,
mera quimera... Não sou daqui, nem fui dali,
serei talvez um infinitesimal grão
de energia quântica, uma inexistência real...
Aglomero-me à sorte aqui e logo me dissiparei ali...
Num incidente ancestral me revivi
nas incontáveis células em que me perfaço,
para além dos gâmetas que me enfocaram
no Eu que agora sou, mera sequência e junção...
Desde quando me gerei
e em quantos me agregarei?
Infinitamente para além de mil sóis,
que algum dia explodirão em luz
e fragor intenso, implosão estelar
que me cristalizará em partículas
de luz e átomos...
Dispersas por que vácuos?
E assim me quedarei, quietamente,
por infinitudes, até que me desperte
um astro vagueante e me transporte
a uma nova dimensão, partícula viajante,
divina nas eternidades possíveis...
Potência essencial e pura, porque o tempo
é uma ilusão que limita o ilimitado
e preenche de nadas os espaços vazios.
E eu, por aí, desfeita, vagueando improbabilidades...
Arakné
Arakné
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