*Memória
Espaços de outrora,
reconstituídos na memória,
de amores vividos em embriaguez
e paixão, ora mergulhada em agonias
de ausências, ora imersa em volúpias
de presenças.
Recolhia suplicante o suspiro
adivinhado num olhar faminto
e o sabor do beijo que me avassalava,
intenso, num mar escaldante
de invasões cegas e corpos sábios.
Renascida.
Amores tão inteiros porque
em pedaços tudo se apoucava.
Estirava ao sol a fantasia das asas
que chegavam e partiam, em buscas
desmedidas, sem termo, sem término,
sem moderação.
Desatava os nós de fios esgarçados,
esfarrapava rendas, veludos gastos,
as porcelanas, ociosas, desesperadas
pelo banquete e o vidro fino da taça cheia
que me brindava um licor forte,
quebrados em mil pedaços
perante um olhar desatento.
Desentendidas as entregas
e desesperados os retornos,
a amargura ilusória de amar só por amor,
o derramar de vazios sem plenitudes.
Entristecida.
Sobrevoei lonjuras, sem tino,
sem rumo, na procura que me apontava
ao caminho imaginado, na ambição
de alcançar o azul do céu infindo,
por onde asas livres viajavam vontades
de infinito, perdida entre ser tudo,
mas não existir ou nada ser,
mas renascer.
Parti, surda ao clamor, intocada
pela súplica, já submersa na incerteza
do mergulho, em fuga da palavra
desmerecida, do gesto suspenso,
da pergunta calada, da indiferença.
A boca seca, o frio gélido da mão,
o olhar sombrio, a pena funda,
o lamento chorado que nunca chegou.
Ninguém soube, ninguém viu,
ninguém escutou?
Mas a ave chorou, tão doída,
as asas amachucadas.
Voei incrédula, tonta de liberdade,
já improvável, já indiferente, ainda receosa
do recomeço, curiosa da promessa,
em devaneios de sal e lágrimas,
num desamor desconstruído,
num amor desamado, ainda amando.
Vivi o sobressalto, renasci na surpresa
do ânimo enrouquecido.
Como sempre! Como nunca!
Em cada passo diluí as marés salgadas
que me submergiam.
Cheguei e parti, sempre vestida
de descobertas inadiáveis.
Ave em voo livre, que se prendia
em gaiolas, sonhando horizontes vastos.
Liberta, voei solta, para além
das madrugadas cinzentas e desenhei
uma luz dourada nas alvoradas.
Arakné
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