A traição corrói o ser

abdicado de si

num dia e num espaço.

Como quando te beijei

e a minha língua insana

se banhou no sabor

de mel diluído,

entranhado no afago

que te dei e,

confundindo-nos,

aflorei volúpias

só minhas e secretas.

Tocando-te o corpo,

nem sequer belo,

mas sentido,

aspirando o olfacto

na ponta

dos teus dedos,

em suavidades de seda

ou agrestes loucuras,

e o meu desejo

feito carícias, esbatidas

nos teus poros

pelos meus lábios

sequiosos.

E das tuas mãos

e da tua boca

escorreu-me a fonte

repetida que te ofertei

na taça límpida

de um lamento,

ora sussurrado

ora gritado,

quando me acolhi

no teu abraço.

Não sabendo amar

de outra forma,

desgastei-me exausta

da entrega exigida.

Sobrevivi na febre

com que me deitei

e recebi exigente

essa entrega.

Quanto de amor

me transportou

na perda de nós,

no grito obsceno

daquele impudor

com que me rendi 

e te rendi.

Amar assim 

é sangue

de que restaram

apenas os destroços

dessa osmose

que testei,

e em que me iludi,

julgando infiltrar-me em ti.

E agora, lúcida,

observo apenas,

espalhados, grãos de dor,

porque te falta o excesso
do que em mim sobra

e perdeste.

Arakné